quinta-feira, setembro 17, 2009

Carros, guitarras e vozes potentes

Que a música é um universo em constante mutação não é segredo para ninguém. Mas o que deve ser observado é como essa arte pode promover profundas mudanças, sejam elas relacionadas à reflexão ou a uma mudança social. No filme “Cadillac Records” temos contato com a história norte americana e da música negra, que se tornou influência para inúmeros músicos ao longo dos anos.

A gravadora, cujo real nome é Chess Records, remete a história do blues e o nascimento do rock and roll. Dentre os artista que fizeram parte dos quadros da Chess podemos citar grandes nomes com Muddy Waters, Chuck Berry, Little Walter, Willie Dixon, Howlin’ Wolf e Etta James.

Num período em que a segregação racial era a regra da sociedade americana, um branco resolve dar a chance de um negro gravar um single e mostrar a sua música a quem se interessasse. Dessa parceria que, aquela época, fugia do convencional surgiu um dos principais celeiros da música negra americana.

Nos anos que seguiram a criação da Chess Records o que se vê são dramas comuns de pessoas talentosas que vieram de um universo que muitas vezes remetia a pobreza e o desrespeito. Porém ao alcançarem algum sucesso vemos a formação de uma família musical que passa a enfrentar conflitos de personalidade, drogas, álcool, ciúmes e desconfiança.

O filme é uma verdadeira aula sobre um breve momento da história social dos EUA e uma grande crônica sobre um movimento que contínua encantando muitos (o blues) e que foi extremamente decisivo para o surgimento de um dos ritmos mais consagrados em todo o universo, o rock and roll.


Cadillac Records
(Cadillac Records, EUA, 2008, 1h49)
Diretor: Darnell Martin.
Elenco: Adrien Brody, Jeffrey Wright, Gabrielle Union, Columbus Short, Cedric the Entertainer, Emmanuelle Chriqui, Eamonn Walker, Mos Def, Beyoncé Knowles, Tim Bellow, Tony Bentley, Lawrence P. Beron, Tammy Blanchard, Eric Bogosian, Marc Bonan

terça-feira, setembro 15, 2009

Sobre as Memórias de um colombiano

Grandes feitos e histórias sempre me encantaram. Quando era mais novo acreditava que para ter uma grande história era preciso ter rigor na escrita, ou seja, escrever de maneira rebuscada e dessa forma casa a beleza da história com a beleza da palavra “culta”.

Aos poucos fui me aventurando nesse terreno da redação e, muito devido às experiências como aluno e profissional de comunicação, fui percebendo que, às vezes, o rebuscar as palavras podem ter um efeito contrário do que foi citado no parágrafo anterior.

Portanto fui percebendo a beleza do simples, de como retratar as coisas de forma mais crua, o que permite um entendimento mais fácil, pode ser uma alternativa para escrever uma história bela, de grandes feitos.

Recentemente, quando li o livro “Memórias de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel García Márquez, pude ver claramente o que aqui venho dizendo. A história do velho cronista que encontrou ao longo de sua vida amores apenas naquelas que aceitavam dinheiro, e aos poucos foi descobrindo o real significado dessa palavra, é de emocionar.

O mais belo nesse livro é como o autor sabe contar essa história de maneira simples, que leva até os mais rancorosos a certas reflexões. Não outra palavra que possa definir essa obra de Gabriel García Márquez a não ser genial.

quarta-feira, setembro 09, 2009

"As pessoas querem viver o presente", diz escritor Pedro Juan Gutiérrez


Atual escritor cubano mais conhecido no exterior, Pedro Juan Gutiérrez, 56, normalmente se recusa a falar de política. Seus livros são dominados por sexo, rum e drogas, ainda que a crítica internacional faça uma leitura política de suas obras.

Gutiérrez evita falar do regime castrista desde que foi demitido da revista estatal "Bohemia", após a publicação de "Trilogia Suja de Havana", seu primeiro sucesso internacional, jamais editado na ilha. Mas, nesta entrevista, o ex-comunista de carteirinha fala do desencanto com a revolução, do futuro e como o êxodo da ilha se tornou tema dominante nas conversas cotidianas.

Ele recebeu a Folha no seu apartamento, que fica no topo de um belo e decrépito edifício de oito andares, no bairro de Centro Havana. Dali, tem-se uma magnífica vista do Malecón e da baía da capital cubana.

O elevador quebrou quando a reportagem da Folha subia à cobertura e foi salva por uma anciã com dificuldades visuais, que desceu alguns andares para pedir ajuda. "Nesta visita, você vai entender minha vizinhança e literatura", havia anunciado Gutiérrez.

Folha - "Animal Tropical" fala de sua estadia na Suécia, e boa parte dos livros e filmes cubanos no momento falam da vontade dos jovens de tentar a vida na Europa ou nos EUA. A imigração virou o grande tema em Cuba?

Pedro Juan Gutiérrez - Temos 3 milhões de cubanos no exílio e nossa população é de apenas 11 milhões. É um tema dominante aqui partir ou ficar, que aumentou muito nos últimos cinco anos. Os jovens querem ir embora, as pessoas não querem esperar para ver se Cuba vai melhorar em dez anos. Elas querem viver o presente. E gente da minha idade começa a se sentir sozinha quando filhos, sobrinhos, primos vão todos embora. Ninguém quer ficar só. O artista Kcho usa balsas, remos, a estética dos balseiros como tema de suas obras de arte. Rompem-se famílias, projetos, amores. Penso em escrever sobre esse assunto logo, ainda que queira continuar a viver aqui.

Folha - O sr. participou de meios de comunicação estatais. Depois, tornou-se um crítico. Quando e como aconteceu seu desencanto?

Gutiérrez - Foi um processo lento, em que deixei de acreditar na revolução. Porque por muito tempo me dediquei à revolução. Dava aulas de marxismo como voluntário, escrevi em publicações do regime, fui radialista. Acreditava mesmo. Sou muito romântico. Fiquei alucinado quando aprendi a compreender como o sistema funciona e ver certos atos. Políticos são muito pragmáticos e não sou feito dessa madeira. Se eu fosse da equipe do Lula, por exemplo, eu já teria saído.

Folha - Prostitutas e cortiços miseráveis estão em quase todas as suas obras. A vida em Cuba continua tão ruim?

Gutiérrez - "Trilogia Suja de Havana" é de 1998, está escrito sob o impacto do período especial, a partir de 1991, quando sofremos nossa maior crise econômica. Estávamos no fundo do poço. Tínhamos uma vida desesperada, marginal. Explodiu a prostituição, e até para conseguirmos uma aspirina tínhamos de recorrer a parentes no exterior. Faltou tudo, tudo mesmo. Minha literatura escreveu sobre essa estética das ruínas. Comparando, agora estamos muito melhor, temos mais alimento.

Folha - O sr. se sentiu um pária depois que foi demitido da revista "Bohemia" e reprovado pelo regime?

Gutiérrez - Depois da publicação da "Trilogia" fui demitido da revista "Bohemia", sem explicação. Fui retirado do sindicato dos radialistas; perdi tudo. O pior é que perdi amigos --que eu achava que fossem amigos. As pessoas fingiam que não me conheciam, me senti um fantasma. Fiquei tão deprimido que me tornei agressivo, furioso e achava que tudo se "resolvia" com álcool e drogas; fiquei anos sedado. Tive uma vida desesperada, promíscua, melancólica quando deixei de acreditar em um projeto político.

Folha - O sr. está preparando textos de viagens suas pelo interior de Cuba. O que viu?

Gutiérrez - O interior continua muito mais pobre que Havana, vive uma situação lamentável. Vi gente que estuda energia piramidal, que acredita e persegue OVNIs; é uma transformação e tanto. A ioga já foi proibida na ilha, assim como as religiões. Mas, a partir dos anos 90, todo mundo retirou os crucifixos e os cristos escondidos nos armários.

Folha - Como o sr. acha que será Cuba sem Fidel?

Gutiérrez - Ninguém sabe o que vai acontecer. Há muitos possíveis cenários para se desenvolver aqui e no exterior. Mas há chances de errar em 90% dos prognósticos. Cuba é um país bem mais imprevisível do que acreditam os cientistas políticos anglo-saxãos. Já decretaram o fim do regime várias vezes e há muitos anos. Mas o que desejo é que qualquer mudança se dê com diálogo, conversa, com amor e compaixão; sem violência. De dentro ou de fora. Não acredito que aconteça uma mudança violenta, com derramamento de sangue. Somos um país com bom nível educativo, temos de fazer jus a ele.

Folha - Como foi seu envolvimento com a revolução? Sua família era de classe média.

Gutiérrez - Meu pai distribuía sorvete em Matanzas e perdeu a sorveteria com a revolução. Mas ele decidiu ficar em Cuba, e eu acreditava na revolução. É verdade que boa parte da classe média e todos os mais ricos se foram. Pequenos empresários, as numerosas coletividades chinesa, galega, asturiana, os comerciantes judeus, médicos, profissionais liberais começaram a abandonar o país. Aos 19 anos, conheci uma garota de uma família muito pobre, que sofria a pobreza, tanto a material quanto a intelectual, que é o machismo. Vi esse círculo vicioso de perto, tinha de me rebelar contra isso. Meus livros tentam mostrar como a pobreza destrói a família, o ser humano e impede todas as possibilidades.

Folha - O sr. começou a publicar já quarentão. A literatura foi paixão tardia?

Gutiérrez - Quando li "Bonequinha de Luxo", de Truman Capote, decidi que queria escrever como ele, que não parecesse literatura, que parecesse vida real, contar o que me rodeia. Escrevia contos, poesia; a literatura era minha amante secreta enquanto eu era locutor de rádio. Só comecei a escrever para publicar aos 44 anos, não tinha pressa. Antes, eu queria viver. Visitei a antiga Alemanha Oriental, a União Soviética, fui ao Brasil pela primeira vez ainda nos anos 80. Praticava esportes, caiaque, fumava todas as drogas, só não queria dormir. Eu era o machão que não tinha tempo a perder.

Folha - Em seus livros, quase não há menções à política na ilha. O sr. se autocensura?

Gutiérrez - Trato de evitar a política nos meus livros, conscientemente. Quando reviso os originais, vou riscando e apagando o que acho que está muito político. Não quero ter problemas, mas faço isso por causa da permanência. Não quero que meus livros envelheçam, e já sei diferenciar jornalismo de literatura. Poucos livros meus foram publicados em Cuba, mas não sei os porquês, como eles decidem o que sai ou não. Meu último, "Nosso GG em Havana", um romance curto e divertido sobre Graham Greene em Cuba, foi publicado aqui.


A matéria transcrita nessa página foi retirada do site www.folha.com.br, e é de autoria de Raul Juste Lores, enviado especial da Folha de São Paulo a Havana.