quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Salvação

Eu descobri a poesia tarde
Não como escrevê-la
Não como entendê-la
Mas como senti-la

O poder de síntese
De comprimir em poucas palavras
Os sentimentos
E de criar imagens de uma vida

Eu descobri a poesia tarde
Não como escrevê-la
Mas que ela salva
As almas maculadas pelo horror

O horror da vida
O horror do amor
O horror da falta de humanidade
Descobri que ela salva, a poesia

sábado, fevereiro 22, 2014

Por um pouco de Dean Moriarty

Cidade pequena, cidade grande
Ponto de partida, ponto de estada
Quando a alma está agitada
Para as linhas montanhosas
                                         [olhe]

Para a divisa ensolorada
Um pé na estrada
Somos os viajantes solitários
Buscando conhecimento sobre
                                            [nós]

Terra, pedra, relva, asfalto
Talvez vagabundos iluminados
Seguindo arte, fazendo caminho
Por aqui e ali espalhando versos nus
                                                    [corações]

Nos subterrâneos da alma
Apesar d’uma profunda tristessa
Não ceda e nem esmoreça
Para olhos atentos sempre tem um
                                                  [sorriso]

terça-feira, fevereiro 18, 2014

Saudade

Um encontro
Que de tão inesperado
Quase nos faz crer no acaso
E se entregar ao torpor
                       [do amor]

Um encontro
Intenso, ardente, quente
Que transforma minutos em eternidade
Que congela a vida

Um encontro
Na infinidade daquele momento
O transforma em um relacionamento finito?
Marcado para acabar?

Um encontro
Com prazo de validade
Que entre beijos e abraços
Se perde na memória

                   [e morre na saudade]

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

Sempre haverá tempo para um café


Folheava um antigo caderno em que costumava anotar pensamentos diversos e um sem número de pequenas reflexões. Ali era o reduto de tudo aquilo que um dia esperava escrever. Todas as minhas divagações reunidas em um bloco de capa preta. A cada página virada o sentimento de frustração aumentava. Nada, absolutamente nada estimulava alguma ideia que pudesse colocar em algumas linhas.

A necessidade de se criar um sentido para tudo já não se apresentava como uma ideia interessante. Alguém disse uma vez que a raça humana se dá importância demais. E essa arrogância natural do ser humano é que provoca uma eterna sede de poder explicar tudo, saber tudo. Mesmo que isso, na maioria das vezes, nos leve a um estado de imbecilidade tremenda. O que não foge muito de nossa natureza. Que terrível ironia.

Religião, ciência, política, economia, imprensa, sistemas, sistemas e sistemas. Um amontoado de teorias e ações que ao mesmo tempo que tentam nos organizar em um grupo – e cada vez mais coeso, ó céus – tentam gerar um sentido para nossa vida. Estude, arrume um emprego e construa uma carreira. Case e tenho filhos. E consuma, consuma, consuma. Mantenha o sistema funcionando e aos domingos compareça à missa.

Tudo isso me parece bastante sem sentido. As nossas vidas transcorrem sem escolhas – por mais que pensamos ao contrário –, pois tudo o que fazemos é para se enquadrar a um grupo e se tornar mais uma peça que fará com que a engrenagem funcione. Eu não preciso criar sentidos ou explicações. Quero minhas escolhas. E que se dane todo o resto!

Enquanto nos perdemos em um mundo de divagações todo o universo segue o seu rumo. Totalmente indiferente ao que acontece com a raça humana. Somos insignificantes. O tempo irá nos sobrepor. O meu velho caderno de capa preta continuará abrigando os meus pensamentos e seguirei procurando uma nova inspiração em cada esquina. E mesmo assim o tempo irá nos sobrepor – totalmente indiferente.

Sempre haverá um amanhã: o sol nascerá e irá se por. Bebo mais uma xícara de café e fumo outro cigarro enquanto observo o sol se por mais uma vez. Continuarei seguindo sem a obsessão de ter um porque para tudo. Não preciso trocar o meu viver por respostas mirabolantes. De onde vim e pra onde vou? Não tenho a menor ideia, mas sigo meu caminho em paz. Enquanto tiver uma boa xícara de café em minhas mãos sei que o sol continuará a nascer. E isso me basta.

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Ideias perdidas em um papel em branco



Estava sentado há horas em frente à máquina de escrever e a folha continuava em branco. Não conseguia colocar um só pensamento no papel que pudesse me render um conto, crônica ou poema. Aquele vazio começava a me desesperar. A garrafa de café se esvaziava em uma velocidade impressionante e o cinzeiro já acumulava um grande número de bitucas de cigarro. Tinha uma grande necessidade de escrever, mas ainda assim não conseguia.

Os pensamentos voavam pela minha cabeça e conseguiam escapar antes mesmo que formulasse uma palavra. Em certos momentos a mente trabalha a mil por hora transpassando em um cem números de ideias sem que nenhuma se consolide em algo concreto. Um tamborilar de pensamentos que retumbam em nossas cabeças sem que ganhem eco.

Incrível! Até as metáforas eram fracas e não mereciam se quer uma nota de roda pé. Ê árduo o trabalho de escrever.

Às vezes aquilo que mais gostamos de fazer pode se tornar um verdadeiro martírio. Não porque perdemos o gosto, mas por simplesmente termos uma vontade de fazê-lo constantemente como se fosse um processo industrial ou uma obrigação. Sentar em frente a uma máquina de escrever, ajeitar o papel, escrever e os pensamentos se transformarem em linhas como em passe de mágica. Nem tudo é tão simples como pode parecer.

Em certos momentos as palavras brotam como se viessem de uma fonte infinita de ideias. Disparam pelos nossos dedos direto para o papel sem a necessidade de nenhum filtro ou reflexão complexa. É tão natural. Em outras os parágrafos surgem forçadamente como se fossem obrigados a estar ali. Simples necessidade de escrever. Mas perde o apuro – e parte da beleza.

Esses momentos me angustiavam. Faziam-me sentir vazio e que algo faltava. Experiências, histórias, conhecimento... a vida parecia seguir sem que nela estivesse presente, apenas passando. E é assim que a tristeza nos atinge em cheio. Precisava escrever, escrever e escrever.

Os pensamentos continuavam a voar pela cabeça. E como num bater de asas insistiam em escapar. Resolvi levantar e preparar mais café. Quem sabe aquele cheiro do café sendo coado não desperte algo relevante a se escrever. Afinal a folha continuava em branco enquanto a vontade de escrever persistia – como se fosse um terrível aperto no peito.

Crédito: a foto é da máquina de escrever de Paulo Leminski e integra o acervo da exposição "Múltiplo Leminski".