quarta-feira, janeiro 20, 2010

Nos resta apenas a solidão

Talvez a morte tenha mais
segredos para nos revelar que a vida
(Gustave Flaubert)

Fazia calor. Mas depois de tantos anos morando ali isso já não me espantava. Aproximava das sete da noite, eu acho, e ao longo daquele dia muitos amigos já haviam passado pela minha casa. Alguns quiseram conversar, outros deram apenas uma olhada, mas a verdade era que o meu fim estava próximo e disso não tinha como escapar. Aliás, nem queria.

Quanto mais se passavam os minutos eu sentia que ficava mais quente. Isso me causava estranheza, sempre achei que na hora da morte tudo fica frio, enevoado e como num último sopro de calor a vida se vai. É, parece que eu me enganei.

Bom, naquele dia eu me enganei com muitas coisas. Acreditava, assim como muitos, eu acho, que quando se está para morrer a companhia da família e dos amigos se faz necessária, como num ritual em que se faltasse uma peça ele não se realizaria por completo. Numa comparação grotesca e de certa forma irônica, é como se faltasse hóstias em uma missa.

É incrível o que se pode passar na nossa cabeça nas horas mais críticas. Sempre fui apegado à vida, comer, beber e mulheres sempre foram bem vindos. Apreciei ao máximo a companhia dos outros, mesmo as desagradáveis. Mas no fim o que nos resta é apenas a solidão.

É meu caro, essa é a mais pura verdade. Algumas experiências em nossas vidas — é engraçado dizer essa palavra quando está prestes a perdê-la — temos que passar sozinhos, e a morte, sem dúvida, é uma delas. Talvez isso seja o auto conhecimento.

Não que a solidão, ainda mais numa hora como essa, seja ruim, mas é que estando na situação na qual me encontro ninguém entenderia o que eu estou pensando e o que eu quero dizer. Por isso, à medida que o tempo fica quente eu fecho os olhos, e dessa vez eu sei que não será apenas mais uma noite de sono e sem mais o que dizer às pessoas ao meu lado eu me vou.

E no último suspiro guardo apenas para mim as minhas últimas palavras: “no fim nos resta apenas à solidão”.

4 comentários:

  1. Isso é verdade, com o tempo passamos por fases e aprovações que nos engrandecem, mas no fim, nada nos vale apenas nos sobra a solidão, única e expressiva!!

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  2. melancólicas palavras... melancólicas e sábias palavras...
    à la Quincas Borba

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  3. Essa solidão é aquela em que a gente não sofre por estar só, pois "eu sou ela e ela sou eu". Não é aquela solidão que a gente fica mal por que está só, e sim, a solidão que nos faz pensar, entender a gente mesmo e o que está à nossa volta, né?

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  4. Acho que todo mundo passa por isso em algum momento.

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