quinta-feira, março 14, 2013

Caminhada noturna #1



Um blues antigo enchia o ambiente. Sentado ali em um canto do extenso balcão concentrava em seu copo de bourbon - que o garçom lhe garantira era original. Nesses momentos em que podia dedicar algumas horas apenas aos seus pensamentos tinha certeza que as solitárias notas do blues podiam ser entendidas em sua completude. Esse tipo de ilusão o divertia, pois, apesar de qualquer devaneio, carregava a certeza de que nada poderia ser entendido inteiramente. Enfim algumas gargalhadas.

Gostava daquele lugar. Mesmo com todas as determinações contra, ali ele podia fumar sentado em seu banco e sem ser incomodado pelas patrulhas que se esforçavam dia após dia para dar alguma moralidade a esse mundo. Trabalho em vão, isso - achava - é sabido. E de novo se pegava rindo. Sentia falta desses momentos em que os pensamentos lhe guiavam pela diversão, mesmo que ela só fizesse sentido para ele.

Nos últimos tempos as coisas tinham sido diferentes. Era comum perceber pensamentos que lamentavam alguma falta. Sabia que tinha deixado alguma coisa para trás e que agora sentia a sua necessidade. Já não se dedicava a escrever. O computador se mantinha constantemente desligado e o caderno de anotações a muito tinha sumido. Havia perdido essa vontade justamente no dia que a inspiração o deixou. Novas gargalhadas e a noite se mostrava promissora. Em que momento nessa longa vida havia tido alguma inspiração - ou sido inspirador.

Ao virar aquele copo de bourbon tinha como objetivo afastar tais pensamentos. Ao primeiro copo se seguiu vários outros. E o cinzeiro desaparecia em um monte de tocos de cigarros. Estava decidido a deixar os devaneios abandonados em algum canto. Esse era o seu objetivo ao sair de casa naquela noite. Pretendia, ao retornar, sentar no computador e deixar-se escrever algumas linhas, mesmo que breves.

Mais alguns copos. O plano inicial já não fazia mais sentido. Começava a achar que aqueles pensamentos estavam ali apenas para lembrá-lo do que havia sido um dia e daquilo que pode vir a almejar. Ao acender mais um cigarro defendia a tese de que a vida deveria ser vivida como construção de um bom texto: frases curtas e diretas. Ao olhar para aquela fumaça a sua frente sabia que naquele momento lhe restava apenas um porre. Não tinha como discutir com as circunstâncias. Mais uma dose!

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